Guia musical da Euro: Gales x Portugal
No canto direito, Portugal, que atravessou o Atlântico procurando as Américas e acabou descobrindo o Brasil. No canto oposto, os galeses, povo maluco que deu muito trabalho para os romanos. Mais importante que o duelo entre Cristiano Ronaldo e Gareth Bale é saber se você prefere um pastelzinho de Belém ou um belo terno Príncipe de Gales.
I ennill y wobr gyntaf
A lista de músicos, cantores e cantoras galeses é bem grande e – para dizer o mínimo – eclética. Temos o rebolativo Tom Jones, que fez muito sucesso nos anos 60 e foi tirado da aposentadoria, em 1988, graças à cover da música “Kiss” de Prince. Tom, que já foi eleito um dos homens mais sexies do mundo, continua firme e forte e, até 2015, era um dos técnicos do The Voice britânico. Do lado feminino temos Shirley Bassey, que ficou mundialmente conhecida pelos temas dos filmes de James Bond. Bassey é a única cantora que gravou mais de uma vez músicas para o espião mais famoso do mundo. Vai dizer que nunca ouviu “Goldfinger”, “Diamonds Are Forever” ou “Moonraker”?
Dizem que um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar, mas em Gales não é bem assim. Uma outra dupla de cantores galeses tomou novamente de assalto as paradas britânicas nos anos 80. A loiríssima Bonnie Tyler encantou o mundo com “Total Eclipse of the Heart” e conseguiu a façanha de entrar no Guinness Book como a única cantora estreante a colocar um disco no topo da parada na semana do lançamento. Michael Barratt, aka Shakin’ Stevens, é o Elvis galês. Vocalista da banda “Shakin’ Stevens and the Sunsets”, que em 1969 abriu os show da turnê britânica dos Stones. Os anos 70 não foram exatamente memoráveis para Shaky, que decidiu tentar a sorte na carreira solo. E não é que deu certo! Em 1981, seu disco “Shaky” estourou nas paradas e, de quebra, lhe rendeu um disco de platina. Aproveitando que a maré estava boa para os dois, Shakin’ e Bonnie regravaram “A Rockin’ Good Way (to Mess Around and Fall in Love)”, sucesso de 1958 na voz de Priscilla Bowman. A música foi incluída no disco de Stevens, “The Bop Won’t Stop”, lançado em 1984.
Gales é a terra do multi instrumentista vanguardista John Cale. A vida de Cale mudou completamente, em 1964, quando ele conheceu. Juntos criaram o projeto que resultaria no famoso disco da banana, também conhecido como “The Velvet Underground and Nico”, considerado um dos melhores discos de todos os tempos. Em 1968, Cale deixou a turma da Factory de Andy Warhol e partiu para a carreira solo. Nos últimos 40 anos, produziu e colaborou nos trabalhos de Nick Drake, Brian Eno, Patti Smith, John Cage, The Stooges, Manic Street Preachers, Marc Almond, Happy Mondays e Siouxsie and the Banshees. John Cale continua na ativa e no começo de 2016 lançou seu 16º album, “M:FANS”, uma releitura do disco de 1982, “Music for a New Society”.
O lendário locutor John Peel, responsável pelo descobrimento de grandes nomes da música britânica, sempre teve uma quedinha pelos galeses. Nos anos 80, Peel foi o padrinho das bandas Anhrefn e Datblygu, pioneiras em fazer rock na língua nativa. Algumas das vozes mais marcantes dos anos 80 passaram pelos estúdios do seu programa na BBC. Já ouviu Green Gartside, do Scritti Politti e Julian Cope, do Teardrop Explodes? Então, você sabe do que estou falando. Outra prata da casa é The Alarm, banda com toda pinta de americana, que abriu os shows de Bob Dylan e U2 depois de lançar “Declaration”, álbum de 1984 que ficou semanas em 6º lugar nas paradas do Reino Unido.
A florescente cena musical galesa produziu bandas bem legais. Na lista não podem faltar Catatonia, Gorky’s Zygotic Mynci, Feeder, The Pooh Sticks e 60ft Dolls. No entanto, a trindade do rock galês é formada por Manic Street Preachers, Super Furry Animals e Stereophonics.
Os Manics são os veteranos da turma. Formada em 1986, a banda flertou com o hard rock até se decidir pelo caminho do punk. Suas letras de conteúdo politizado já deram aos caras altas dores de cabeça. Richey Edwards, guitarrista e compositor da banda, é protagonista de uma das histórias mais bizarras do rock. Ele desapareceu em fevereiro de 1995, seu corpo nunca foi encontrado e ele só foi declarado morto 13 anos depois, em 2008. Sem Richey, considerado um dos melhores letristas de todos os tempos, a banda virou um trio e resolveu navegar pelas águas mais tranquilas do britpop. O disco lançado depois da mudança “Everything Must Go” é um dos mais elogiados da discografia da banda.
Considerada uma das bandas mais imaginativas dos nossos tempos, o Super Furry Aminals está na ativa desde 1993. Originária de Cardiff, é apontada pelo NME como a banda mais importante dos últimos 15 anos. Pode parecer exagero, mas os nove albuns lançados pelo SFA ganharam vários prêmios importantes e chegaram ao Top 10 das paradas diversas vezes. Uma pequena curiosidade: o primeiro vocalista da banda foi Rhys Ifans. Ele não chegou a gravar com os companheiros e foi substituído por Gruff Rhys. A troca da música pelo cinema acabou sendo uma ótima pedida, já que Ifans ficou conhecido pelo papel de Spike, o colega de quarto não muito limpinho de Hugh Grant em Notting Hill. Depois disso, apareceu na franquia Harry Potter, como Xenophilius Lovegood e como Dr. Curt Connors no filme do Homem Aranha. Na TV, aparece com regularidade em Elementary no papel de Mycroft Holmes, o irmão sacana de Sherlock.
“Maybe tomorrow” colocou o Stereophonics em todos os iPods da galáxias, mas os caras já estavam na estrada desde 92. O caminho foi longo desde a aldeiazinha de Cwmaman até Londres. Só depois de 5 anos tocando em diversas bibocas londrinas é que o primeiro CD foi lançado. “Word Gets Around”colocou a banda no mapa e ainda rendeu o BRIT Award como revelação e a primeira posição da parada. Pra você ter uma ideia do sucesso, o vídeo de “Dakota” tem apenas 12 milhões e 600 mil visualizações.
A Euro estimulou uma sadia competição entre as bandas galesas. Loucos pela seleção de Gareth Bale e Aaron Ramsey, os Manics foram escolhidos para compor a música oficial da seleção galesa pra Euro 2016. “Together Stronger (C’mon Wales)“. Pra não ficar atrás da concorrência, o Super Furry Animals lançou seu single “Bing Bong”. A música, cantada em galês, fala sobre vitórias e derrotas. “Bing Bong”, que tinha sido composta para a Euro 2004, mofou por 12 anos na gaveta porque o País de Gales não se classificou pro torneio. A banda Candelas aproveitou a Eurocopa e regravou “Rhedeg i Paris”, hit da banda punk Yr Anhrefn nos anos 90.
Considerada por muitos a nova Meca da música britânica, Gales sempre oferece a música que você quer ouvir.
Tás a ver?
Ora pois, chegou a hora de falar da música dos patrícios da terrinha! Pra começar, devo confessar que, antes de começar este post, meu conhecimento da música lusitana se limitava a Roberto Leal, Amália Rodrigues, Madredeus e Dulce Pontes. É triste mas é verdade.
Mas a música portuguesa não liga pra anglófilos como eu e segue em frente, firme e forte, arrasando em todos os estilos. A célula-mater, o começo de tudo no rock português é o Xutos & Pontapés. Os caras estão firmes fazendo música e influenciando gerações há mais de 3 décadas. Aproveitando a porta aberta pelo Xutos, surgiu o Mão Morta e seu rock controvertido e único. Daí surgiram Clã, GNR, UHF, Blasted Mechanism, Suspiria Franklyn, Decreto 77 e Ornatos Violeta, orgulhosos representantes da tradição roqueira.
Os portugueses imigraram pros quatro cantos do mundo e agora são muitos os que fazem música por aí. Nelly Furtado não esquece suas raízes e sempre grava algumas músicas em português. Nuno Bettencourt, guitarrista da banda Extreme, batizou um dos álbuns da banda de “Saudades de Rock”. Steve Perry, vocalista do Journey, nasceu Estevão Pereira. Juro que é verdade! Outro membro da gloriosa família é Joe Perry, do Aerosmith. Não dá pra negar as origens de Ana da Silva, fundadora da banda The Raincoats. E por fim, temos o filho de portugueses Jay Kay do Jamiroquai. Viu só? Temos mais em comum com essa galera do que imaginávamos.
Tara Perdida é um nome importante do punk português. Formada por 1995, por ex-integrantes da banda Censurados, no ano seguinte participou do festival Super Rock abrindo para Ratos de Porão e The Exploited. Em 2014, o vocalista João Ribas morreu de infecção respiratória. Um ano depois, em março de 2015, foi lançado o primeiro single do disco “Luto”, “Um Dia De Cada Vez”, já com Tiago Afonso nos vocais.
Bandas que cantam em inglês não são uma novidade em terras lusitanas. De olho no mercado europeu, em 96, surgiu o Silence 4, que ganhou bastante notoriedade depois de gravar a cover de “A Little Respect”, do Erasure, para a coletânea “Sons de Todas as Cores”. No ano 2000, depois de uma turnê de quase 90 shows, com dois discos lançados, a banda chega ao fim. Eles até ensairam uma volta, em 2013, com 4 concertos. Quem viu, viu. Ouça também, Belle Chase Hotel e Queen Captain Among the Sailors.
Se alguns gostam de cantar na língua de Shakespeare, outros preferem a língua nativa. Além de cantar em português, Filho da Mãe, A Caruma, Capitão Fausto e Diabo na Cruz também flertam com a música tradicional.
Concorrendo ao posto de banda mais legal dessa playlist, a banda lisboeta PunkSinatra. Formada em meados de 2003, os integrantes já passaram por diversas bandas. Trazendo influências dessas outras encarnações, criaram um som original que faz muito sucesso circuito underground.
Você não pode morrer sem escutar o rap e o hip hop português. Se já é complicado entender o que eles falam em ritmo normal, imagine no modo rápido, mas depois de uns 15 minutos, seu cérebro entra na frequência e você pega amor. Anote esses nomes e corra atrás: Dama Bete, Dealema, Da Weasel, Valete, Regula, NGA, Boss AC e Sam, The Kid.
A geração milênio do rock português ataca em todas as frentes. Em Coimbra surgiu o Wraygunn, que mescla rock e blues. Alguns apostam na mistura com música eletrônica, como Micro Audio Waves e Mesa. Os novos representantes do indie português não deixam nada a desejar aos coleguinhas europeus. Os destaques são Fonzie, SuperNada, peixe:avião e Linda Martini. Quem curte ska e reggae, não pode deixar de escutar Primitive Reason, Three and a Quarter, Purocracy, Chapa Dux e Souls of Fire.
Se você superar o vício pela música anglo-saxônica e começar a ouvir o que andam fazendo pelo mundo afora, certamente vai se surpreender. Dê uma chance pros caras, eles estão fazendo barulho há mais tempo que Mourinho está aprontando das dele.
- Publicado originalmente no site “Todo Futebol”