Sanremo é cafona, é caótico, é injusto, mas não consigo deixar de assistir. Porque Sanremo é exatamente aquilo que promete: popular. As regras podem mudar todo ano, mas uma coisa continua sempre igual, é o público que decide quem ganha.
Este ano rolou um ‘bis’ na apresentação, com Fabio Fazio e Luciana Littizzetto, e na regra do ano passado de cada cantor apresentar duas músicas e uma delas é escolhida pelo publico, através do telefone.
A Itália é o Brasil, com mais idade, drama e manjericão, então, não podia faltar um furdúncio. O pobre Fazio foi interrompido no seu monólogo inicial por dois operários que resolveram tentar suicídio ameaçando se jogar do alto do teatro Ariston. No começo ninguém sabia se era verdade ou brincadeira – de péssimo gosto – mas a realidade pode ser mais bizarra que a ficção e a mente cafeinada de qualquer roteirista. Momentos de emoção, famosos se retirando, porque vai que os caras resolvem mesmo pular. Tudo isso ao vivo, sem break comercial, nego gritando como se estivesse num cortiço, as pessoas aplaudindo, dez minutos dignos de um filme de Fellini.
Passando ao que interessa, Sanremo começou no dia 18 de Fevereiro, aniversário de Fabrizio De André, e para não deixar a data passar em branco teve Luciano Ligabue cantando “Crêuza de mä”, em genovês, acompanhado de Mauro Pagani, autor da música, e as presenças da viúva Dori Ghezzi e do filho Cristiano. Ligabue casou, mudou, deu um tapa no visual e até perdeu aquele ar de quem levanta uma parede em um dia. Fez o que sabe fazer melhor, cantou lindamente.
Aí chega o momento de Lucianina Littizzetto. Quebrei a cabeça pra achar uma correlativa brazuca pra ela e não achei. A coisa que chega mais perto é Dercy Gonçalves, mas muitos graus abaixo. La Littizzetto fez sua entrada, no melhor estilo Crazy Horse, e seu monólogo de abertura foi tão cheio de duplo sentido que o botox das senhoras respeitáveis da platéia venceu tentando disfarçar o constrangimento.
A primeira concorrente é Arisa, com sua cara de Piu Piu e sua voz de periquito usando o batom mais equivocado da história da maquiagem, que faria Max Factor girar na cova feito frango de padaria. Canta duas músicas, a primeira, bem legal, é claaaaaaro que não foi escolhida. Da segunda falaremos mais pra frente. Ou não.
Apresentado como o ‘pai do pop italiano’ (eu faria um DNA urgente pra verificar a paternidade), Frankie Hi-Nrg Mc. A única coisa ‘High Energy’ do fulano é a quantidade de medicamentos para pressão alta que ele toma todas as manhãs. Pouparei vocês da minha sincera opinião sobre as duas tranqueiras que este senhor cantou.
Pausa na parte musical e hora da convidada especial, Laetitia Casta. Lindá, modelá, francesá, La Castá assassinou com três tiros a queima-roupa ‘Meraviglioso’ de Domenico Modugno. De boca fechada Laetitia é Maria Callas. Ela tentou melhorar as coisas dançando de maiô, mas o estrago já estava feito.
Sanremo gosta de arrancar umas lágrimas, então, não faltaram homenagens. Parece que o Ceifeiro teve bastante trabalho nos últimos meses e promoveu uma verdadeira chacina no mundo musical italiano. Enzo Jannacci, o maestro Claudio Abbado, Freak Antoni e Francesco Di Giacomo foram lembrados com vídeos e músicas.
Segue o enterro – tenham em mente que são 14 concorrentes – Antonella Ruggiero, fundadora do grupo Matia Bazar, é uma daquelas cantoras que flerta com a música lírica. Pra meu desespero. Não sei se foram as horas infinitas dos Três Tenores e aqueles shows para os pobres de algum canto do mundo com Pavarotti (que Deus o tenha em bom lugar com direito a buffet variado), ou se foram os musicais da Broadway de Andrew Lloyd Webber que me causaram uma gastura toda vez que alguém manda um vibrato.
Raphael Gualazzi conquistou meu coração de pedra, em 2012, com “Follia d’Amore”, e meu amor resistiu bravamente às duas músicas meia-boca que ele cantou no ano passado. Este ano foi a pá de cal, porque Raphael resolveu se apresentar com a dupla de música eletrônica dos mascarados, The Bloody Beetroots. Se em dois anos Raphael sofreu um processo de desembarangamento, ficou chato bagarai.
Todas as revistas de fofoca dizendo que Raffaella Carrà tava às portas da morte e ela aparece cantando e dançando com salto 15 aos 70 anos. Se ela tá mal, eu tô tecnicamente morta.
É a vez de Cristiano De André. Apesar de ser a fuça do pai e não cantar mal, o pobre deve ter passado sempre com a água pelo peito, como todo ‘filho de’. Ele é a Maria Rita, versão masculina e italiana, que só consegue enganar quem nunca ouviu ou esqueceu como era o original.
Primeiro grupo a participar é Perturbazione e faz a gente sentir saudade do Modà. Volta Modà!
Giusy Ferreri não é uma má menina, o problema é a voz bizarra. Ela até engana por uns 2 minutos, aí começa a gritaria. Chamar de gralha ofende toda a categoria.
Francesco Renga… Quando não se tem nada de bom pra dizer, a gente repara que o cara tá usando toda a prata do Universo nos anéis e nas pulseiras.
A primeira coisa que pensei quando vi Giuliano Palma é que ele é a fuça de Arrigo Sacchi. E a música não é ruim, mas é daquelas que grudam na cabeça e nem lobotomia tira.
Noemi! Minha favorita. Mesmo que ela tenha acabado com toda tintura vermelha da Itália e agora use uma franja de mongPIN UP, Lilian, PIN UP! Mesmo com um vestido que traz como detalhe um troço que lembra aquele aparelho arreio de cavalo. Mesmo que eu nem tenha conseguido prestar atenção nas músicas pra escolher uma. Canta qualquer coisa aí, Noemi, porque sua voz é foda.
Renzo Rubino é o Gualazzi de 2012. O estreante na categoria principal se apresentou ao piano e mandou uma musiquinha tão legal que, sem perceber, você fica cantarolando o dia inteiro.
Ron. Voz de velho, música de velho, mania de velho de cantar mezzo italiano mezzo inglês, um toupet de castor morto na cabeça… É velho, véi!
Riccardo Sinigallia é metade da dupla Tiromansino. Pelo visto, a parte dele é a Tiro, porque foi o que ele deu no pé inscrevendo em Sanremo uma música que já tinha tocado. Qual parte do inédito você não entendeu Riccardo? Foi desclassificado.
Eu bem tentei prestar atenção na música de Francesco Sarcina, mas fui hipnotizada pelos brincos dele. É tudo que posso dizer.
Quem escolheu as atrações internacionais deste ano está sob efeito de drogas pesadas. O primeiro foi Cat Stevens ou Yusuf Islam ou Yusuf ou Steven Demetre Georgiou, seja lá qual o nome que ele estiver usando no momento, na hora que ele canta “Father & Son” você espera a entrada de Suplicy e do Supla. O segundo foi Rufus Wainwright, que passou o tempo todo com cara de “Onde eu fui amarrar meu jegue?”. O terceiro foi Damien Rice, que só tem duas músicas. Adivinhem o que ele cantou? Paolo Nutini, modernoso e, provavelmente, o único oriundi que não fala nenhuma palavra de italiano.
Minha falta de saco pra Sanremo já estava preocupante, então, resolvi consultar as bases pra saber se gostamos ou não de Claudio Baglioni. Gostamos! E ele canta tudo que nos faz gostar dele, um medley dos bons, ele ao piano. E só em pensar em ouvir o resto dos péla saco que ainda faltam cantar, dá voltade de pedir pra ele ficar cantando até amanhã.
Quando eu já estou acostumando com as músicas que o público escolheu, lembro que ainda tem a categoria “Giovani Proposte”. Este ano a coisa estava particularmente ruim, mas sempre dá pra salvar um e o nome dele é Zibba.
O quarto dia foi o dia das covers e dos encontros, no mínimo, inusitados, que começou com o mala ganhador do ano passado, Marco Mengoni, estragando “Io che amo solo te” de Sergio Endrigo. Teve Arisa cantando “Cuccurucucu”, de Franco Battiato, com a banda dinamarquesa Whomadewho, que se alguém conhecer ganha um doce. Cristiano De André cantando “Verranno a chiederti del nostro amore” do pai, Fabrizio. Noemi ao piano cantando “La costruzione di un amore”, que Ivano Fossati escreveu para Mia Martini. O chatissimo Francesco Renga cantou com Kekko, do Modà, “Un giorno credi” de Edoardo Bennato. Giuliano Palma cantando “I say i’ sto cca” de Pino Daniele. Ron mandou “Cara” de Dalla. Frankie Hi-Nrg e Fiorella Mannoia competindo pra ver quem cantava pior “Boogie” de Paolo Conte. Renzo Rubino com Simona Molinari cantaram “Non Arrossire” de Giorgio Gaber. E Perturbazione cantou “La donna cannone” de Francesco De Gregori com a participação de Violante Placido. Antonella Ruggiero acompanhada pelo DigiEnsamble Berlin cantou “Una Miniera” dos New Trolls. Vencedor no quesito parceria mais bizarra, Raphael Gualazzi convidou Tommy Lee, do Motley Crüe, para acompanhar na bateria “Nel blu dipinto di blu”, mais conhecida como “Volare ô ô”, de Domenico Modugno. Eu esperava que, pelo menos, Tommy Lee entrasse pelado pra coisa fazer algum sentido, mas não rolou. Empatados em segundo lugar Giusy Ferreri, Alessandro Haber e Alessio Boni, bem louco de Velho do Rio, cantando “Il mare d’inverno” de Enrico Ruggeri e Francesco Sarcina com Riccardo Scamarcio, mais conhecido como marido de Valeria Golino, na bateria pra “Diavolo in me” de Zucchero. E ainda teve uma colher de chá para o desclassificado Riccardo Sinigallia cantar “Ho visto anche degli zingari felici” de Claudio Lolli com Paola Turci e Marina Rei.
Todo este suplício só foi tolerado para ver Gino Paoli, acompanhado de Danilo Rea, um dos melhores pianistas de Jazz da atualidade. Teve Tenco. Teve Bindi. E teve Paoli. Quinze minutos de pura e sublime genialidade.
No fim, ganhou Arisa com sua voz de periquito. E o que aprendemos nesses 5 dias de festival? La Littizzetto continua sendo a melhor coisa da TV italiana, Noemi é disparado a melhor jovem cantora, Gino Paoli é Deus e o CD de Zibba é a única coisa que tenho escutado nos últimos dias. No ano que vem tem mais, porque eu adoro odiar Sanremo.
*Publicado originalmente no Portale Eh Già