Pequenas coisas que resultaram na grande noite azzurra em Berlim

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Há 3.653 dias, a seleção italiana realizava o sonho do tetracampeonato, acalentado por 24 anos. A Azzurra tinha saído de casa desacreditada, mergulhada em escândalos e com a obrigação de provar muito para si mesma. Marcello Lippi conseguiu transformar um grupo de jogadores em um bando de irmãos, que juntos fizeram história e escreveram mais um capítulo dessa fábula chamada futebol.

Po Popopopo Po

“Seven Nation Army”, música lançada em 2003 pelo The White Stripes, se transformou no hino da Azzurra durante a Copa da Alemanha. Tudo começou na partida da Copa UEFA entre Roma e Club Brugge, do dia 15 de fevereiro de 2006, disputada no estádio Jan Breydelstadion. O time da casa saiu na frente e a torcida belga começou a entoar a melodia, tirada do riff de guitarra da música dos Stripes. No final da partida, depois da virada de 1 a 2, os torcedores romanistas se apropriaram da música e passaram a cantá-la. Não demorou muito para que ela se espalhasse e tomasse conta de todos os estádios italianos. Quando a seleção desembarcou na Alemanha, levou junto o “Po Popopopo Po”, que viraria sua marca registrada e, porque não dizer, seu amuleto da sorte.

Shhhh

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Greve não é exatamente uma novidade para a Itália. Enzo Bearzot fechou as portas da concentração para a imprensa italiana por causa das críticas que lia nos jornais na Copa de 82. Em 2006, para preservar seus jogadores, Marcello Lippi tomou a mesma decisão e decretou o código do silêncio. E acabou dando certo.

A tortura do Mister

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Antes da competição começar, Marcello Lippi tinha decidido que, em algum momento, colocaria em campo todos os convocados, com exceção dos goleiros reserva. Ninguém sabia quando iria entrar, pois Lippi deixava para informar o jogador na noite anterior à partida. Uma batida na porta do quarto e a única frase proferida era: “Amanhã você começa jogando”. Todos aguardavam ansiosamente a visitinha do chefe e, conforme os jogos foram passando, cada um deles foi tendo uma oportunidade. Menos Massimo Oddo. O jogador, dono da única máquina de cortar cabelo em toda concentração, acabou apelidado de barbeiro pelos companheiros. Uma noite, Lippi apareceu na porta do quarto de Oddo e pediu a máquina emprestada. Desanimado, ele entregou-a para o Mister. Cinco minutos depois, outra batida na porta. Era Lippi novamente. Só que desta vez ele disse a frase que Massimo esperou o mundial todo para ouvir.

Espírito de equipe

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“Quem é melhor: Totti ou Del Piero?” Essa pergunta foi feita até a exaustão por jornalistas e torcedores de todo o mundo. Durante anos os dois disputaram a camisa 10 da Azzurra. Nos dois meses de convivência, antes e durante o mundial da Alemanha, a relação evoluiu para uma sincera amizade. Parte do mérito é de Marcello Lippi que, ao contrário de outros treinadores que sempre incentivavam a competição entre os dois, impôs o espírito de colaboração entre seus comandados, deixando claro que na Itália ninguém ganharia nada sozinho. Graças ao ambiente criado durante a Copa de 2006, os dois conquistam aquilo que as duas gerações anteriores não conseguiram.

De Rossi, a cotovelada e uma amizade para toda a vida

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Daniele De Rossi estava vivendo um sonho no verão de 2006. Aos 22 anos, fazia sua estreia como titular na maior competição do futebol mundial, honraria reservada para poucos. Estava bem na partida contra os Estados Unidos, quando numa disputa de bola acertou o rosto de McBride. O juiz estava próximo do lance e não hesitou em puxar o cartão vermelho. No vestiário, o inconformado De Rossi dizia ao roupeiro Pietro Lombardi que o lance tinha coisa normal de jogo. Lombardi, a quem os jogadores chamavam de “Spazzolino”, pelo carinho com que polia as chuteiras, sentou ao lado do jogador e explicou que o americano tinha saído de campo bastante machucado. Como De Rossi não conseguia acreditar, o roupeiro ligou a televisão, onde o lance era repetido exaustivamente. Daniele chorou e foi consolado por Spazzolino, que lhe deu um conselho: “Você é um bom garoto. Não vai querer ser lembrado como um jogador violento. Essa fama, quando pega, não abandona mais a pessoa”. No dia 17 de março de 2016, De Rossi foi a Florença para o velório de Lombardi e deixou a medalha de ouro conquistada em Berlim no caixão do amigo.

O 12º jogador

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Depois da sofrida vitória sobre a Austrália, uma notícia caiu como uma bomba na concentração da Itália. Durante a costumeira coletiva do começo da tarde, Fabio Cannavaro foi pego de surpresa com uma pergunta sobre a tentativa de suicídio de Gianluca Pessoto, ex-jogador da seleção e da Juventus. Sem sabe de nada, o jogador esperou a confirmação da noticia e encerrou a entrevista. O caos se instalou entre os jogadores e como ninguém sabia o que tinha acontecido, Del Piero, Zambrotta e Ciro Ferrara, assistente de Lippi, conseguiram uma autorização para voltar para Turim e acompanhar de perto a cirurgia do amigo. Os companheiros que ficaram passaram a noite relembrando histórias de Gianluca, que poucos dias antes tinha feito uma visita na concentração. Percebendo o abatimento de seus jogadores, Lippi teve uma conversa com eles: “A melhor maneira de lembrá-lo, é vencer a Copa por ele”. Foi assim que surgiu a ideia de mandar o recado improvisado na bandeira italiana.  

O cara que tem aquilo que Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar não tem

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Simone Barone é campeão do mundo. Convocado por sua ótima temporada no Parma, era considerado por Lippi um reserva confiável. Ao todo jogou 39 minutos, nas partidas contra a República Tcheca e a Ucrânia. Segurou bem as pontas no meio de campo no jogo contra os tchecos, quando entrou no lugar de Camoranesi, mas foi esnobado por Inzaghi, que fominha como sempre, preferiu chutar ao gol que passar a bola para o companheiro. No jogo contra a Ucrânia, entrou no lugar de Andrea Pirlo e não fez feio. “Às vezes me perguntam se eu sinto aquele mundial como meu. Eu dou risada. Joguei duas partidas e fiz parte de um grupo incrível, unido como um punho fechado, é claro que me sinto parte de tudo aquilo. Eu vivi cada passo sem me iludir. O primeiro passo era ficar na mira do técnico, o passo seguinte era ser convocado, nesse ponto a minha ambição máxima se tornou entrar em campo vestindo a camisa azzurra. Vivi essas três páginas da minha vida com uma emoção imensa. Me sinto um homem e um jogador de sorte “.

Rino, o supersticioso

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Duas horas antes da partida contra a França, os jogadores chegaram ao estádio Olímpico de Berlim. O silêncio pesado foi cortado por Gigi Buffon, que perguntou aos companheiros se algum deles já tinha visto a taça de perto. Fabio Cannavaro fez o típico discurso de capitão dizendo que poucos tiveram a chance de segurar a Copa. Gennaro Gattuso, que estava calado colocando as chuteiras, levantou, e com seu jeito meigo disse: “Na hora de entrar em campo não olhem pra taça! Dá azar olhar antes da partida. Eu vou saber se alguém olhar e vou encher de porrada”. Os jogadores entraram em campo e nenhum deles ousou contrariar Rino.

A verdade de Materazzi

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Muito se falou sobre a cabeçada, que rendeu a expulsão de Zinedine Zidane na final da Copa de 2006. Até hoje, Marco Materazzi nunca tinha confirmado nem desmentido as várias versoes. Dez anos depois, o italiano resolveu contar a sua versão dos fatos. Entrevistado pelo jornal francês L’Equipe, Materazzi falou sobre o acontecimento que mudou a história da partida: “O que mudou a minha vida foram os dois gols que marquei. O que eu falei pra Zidane foi uma coisa idiota, mas  não poderia ter causado uma reação daquela. Em qualquer campo de futebol em Roma, Nápoles, Milão ou Paris, se escutam coisas muito piores. Falei da irmã dele, não da mãe como disseram muitos jornais. Minha mãe morreu quando eu tinha 15 anos, por isso nunca poderia baixar tanto o nível insultando a mãe dele. Nunca entendi como aquele acontecimento alcançou esse nível de notoriedade. A única coisa que quero recordar daquele dia são os meus gols”.

A dúvida de Pirlo

Pirlo foi protagonista de dois momentos na caminhada da Itália até a vitória no Mundial. Autor do primeiro gol azzurro na partida contra Gana, a imagem que fica, no entanto, é aquela dele abraçado a Fabio Cannavaro na hora das cobranças de pênalti. Sabe o que passava na cabeça do camisa 21? “Me pergunto até hoje como Cannavaro conseguiu não mover um músculo e não dizer uma palavra naquele momento”.

A ausência que não fez falta

Depois da disputa de pênaltis – e fim do jejum de 24 anos – os italianos nem repararam que Joseph Blatter não estava presente na premiação da seleção campeã. Na ocasião, Fabio Cannavaro recebeu a taça das mãos de Lennart Johansson, vice presidente da FIFA e presidente da UEFA. Dias depois, questionado por um jornalista, Blatter disse que deixou a honra para Johansson porque a final foi disputada por duas seleções europeias. Um ato incomum e generoso de alguém que nunca perdeu uma chance de aparecer.

É tudo verdade!

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Ninguém botava fé que a Itália chegaria longe na Copa. Até a Gazzetta dello Sport, o jornal esportivo mais importante do país, era cautelosa em suas manchetes. Na manhã da final, “Temos um sonho”, estampava a capa do jornal rosa, repetindo a famosa frase de Martin Luther King. Deu sorte e, no dia seguinte, outra manchete confirmava aquilo que nenhum italiano parecia acreditar.

O ‘antes e depois’ de De Rossi

De Rossi foi a última vítima da máquina de cortar cabelo. Ele resistiu bravamente durante toda a competição e não permitiu que os companheiros raspassem sua cabeça. Mas, depois de muita champagne, no voo de volta para a Itália, finalmente deixou que Cannavaro fizesse o serviço. As madeixas loiras do jogador ficaram o banheiro do avião e ele chegou na festa no Circo Massimo, em Roma, com o visual que passou a ser sua marca registrada.

1 comentário

  1. Igor · julho 28, 2016

    Muito interessante os fatos citados, a história do De Rossi e do Spazzolino, me arrepio toda vez que lembro da atitude do De Rossi.

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